Guerra Fria Tecnológica EUA-China e como afeta a nossa vida
Muito mais do que uma guerra política, é uma batalha comercial e tecnológica a que decorre entre EUA e China, com consequências imprevisíveis. Descubra o que está em causa nesta Guerra Fria Tecnológica e como isso o pode afetar...
É a "Guerra Fria" do Século XXII. Com ciberconflitos, espionagem, batalhas de influências e sanções económicas pelo meio, EUA e China enfrentam uma verdadeira Tech Cold War - ou Guerra Fria Tecnológica na tradução para Português.
Esta rivalidade é mais do que meramente política, como pode parecer a alguns. Tem também por base receios económicos legítimos por parte dos EUA quanto à perda do monopólio de uma certa tecnologia de ponta.
Estão em causa questões-chave como a rede 5G, os semicondutores e a Inteligência Artificial (IA), entre outras. Em última instância, pode levar a uma divisão do mundo em tipos de sistemas incompatíveis, numa bipolarização da tecnologia global.
Pode abrir-se uma espécie de "Cortina de Ferro" digital, como avisou, já em 2018, o ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Paulson, usando a expressão que designou a divisão do Velho Continente em Europa Oriental e Europa Ocidental, depois da II Guerra Mundial.
Huawei na lista negra dos EUA
Os EUA colocaram a Huawei, gigante tecnológica de telecomunicações, na lista negra em 2019, proibindo-a de aceder ao mercado 5G no país, devido a preocupações com a segurança nacional.
Washington acusa a empresa chinesa de espionagem e tem argumentado que pode estar a tentar "roubar" tecnologia para fins militares.
Este argumento norte-americano tem por base a Lei de 2017 quer foi aprovada pelo regime de Xi Jinping e que obriga as empresas chinesas a colaborarem com as agências de segurança e de inteligência do país, sempre que solicitadas.
Os EUA têm receios quanto à influência que o Partido Comunista Chinês tem neste universo e ao tipo de acesso que pode ter a certa informação, nomeadamente a documentos classificados, a dados de pesquisa e a informação sobre tecnologia avançada.
Nova Rota da Seda para dominar o mundo
Nos últimos anos, a China vem apostando no desenvolvimento da sua capacidade tecnológica, nomeadamente no âmbito da Inteligência Artificial.
Em 2015, Pequim adotou o programa "Made in China 2025" que visa reforçar o seu sector tecnológico, prevendo investimentos em infraestruturas por todo o globo, em diferentes países. A ideia é implementar uma nova Rota da Seda que lhe permita dominar as infraestruturas tecnológicas mundiais.
Um dos grandes objetivos chineses passa por captar países em desenvolvimento, para fornecer-lhes as suas redes de telecomunicações, centros de dados e sistemas informáticos governamentais.
A surpreendente evolução chinesa
Nem a eleição de Joe Biden para a presidência dos EUA deverá acabar com esta Tech Cold War. É que as questões políticas são apenas acessórias. Está em causa, acima de tudo, uma batalha pelo controlo da indústria tecnológica mundial. No fundo, é uma competição para ver quem domina o mundo a partir do universo digital.
Os sinais que estão a surgir indicam que estamos perante uma nova era de competitividade económica entre as duas superpotências.
A China deixou de ser apenas o país que monta produtos eletrónicos de baixo custo, com componentes feitos noutros países. Ao longo dos últimos anos, acumulou talento tecnológico e conhecimento especializado e quer afirmar-se em pé de igualdade com os EUA.
Os norte-americanos foram apanhados de surpresa com a evolução tecnológica chinesa que começa a ser evidente e o objetivo passa por manter a supremacia em áreas-chave.
Um jogo perigoso
Foi assim que a administração de Donald Trump fez um esforço para impedir a aquisição de empresas norte-americanas por parte de investidores chineses. A ideia é evitar que a China se aproprie de tecnologia avançada.
Trump também disparou outra arma contra a indústria tecnológica chinesa, com o controle sobre as exportações dos EUA para o país asiático.
Desta forma, pretendeu impedir a venda de tecnologia avançada à China, de modo a evitar que os rivais comerciais ganhem domínio em indústrias high-tech, ou seja, de alto valor tecnológico.
Contudo, este é um jogo altamente perigoso que pode acabar por estourar do lado dos norte-americanos - os EUA conseguem evitar que certos segredos tecnológicos cheguem aos chineses, mas só os incentivam a desenvolver a sua própria indústria.
Além disso, o controle das exportações também prejudica as empresas norte-americanas e, consequentemente, a economia do país. Até porque a China pode sempre ir comprar noutro lado ou, caso haja bloqueio noutros países, pode aproveitar para aprender a fazer aquilo de que precisa.
Já para as empresas dos EUA pode ser uma perda irreversível do mercado chinês, o que seria terrível para marcas como Microsoft e Apple que dependem desse enorme grupo de consumidores. E menos vendas para a China, implica menos dinheiro para investir em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos de ponta.
Por outro lado, o controle de exportações também afasta investidores dos EUA por receios de poderem vir a ser impedidos de vender à China, o país mais populoso do mundo com mais de 1,4 biliões de pessoas.
Os EUA têm mais de 329 milhões de habitantes, sendo o terceiro maior em população, atrás da China e da Índia que tem mais de 1,3 biliões de habitantes.
Do hardware ao software...
O foco desta Guerra Fria Tecnológica centra-se, para já, no domínio do hardware, mas está também a alargar-se para o campo do software.
A tecnologia made in China está cada vez mais avançada, mas ainda depende de muitos componentes de hardware e de software especializados que são feitos nos EUA. Os semicondutores são um exemplo disso.
Os EUA são líderes globais na indústria de semicondutores e a China tem dependido do "Tio Sam" neste campo - veja-se que a China importa mais semicondutores do que petróleo, sendo o maior importador mundial de petróleo!
Os semicondutores são essenciais para a produção de equipamentos eletrónicos, como os telemóveis.
Mas as sanções impostas pelos EUA à China obrigaram a Huawei a desenvolver os seus próprios semicondutores para evitar depender dos norte-americanos. O novo telefone da marca chinesa - Mate 30 Pro - não incluirá qualquer componente feitos nos EUA.
O próximo passo da Huawei é transitar rumo ao universo do software, desenvolvendo os seus próprios sistemas e plataformas para reduzir a dependência de tecnologias norte-americanas.
A Huawei já criou o seu próprio sistema operativo, Harmony OS, que vai ser aprimorado ao longo deste ano. Os analistas acreditam que a gigante chinesa pretende desenvolver também um ecossistema separado de conteúdos, criando uma galeria de aplicações independente para competir com os serviços Android e Apple.
Mas o futuro da tecnológica deverá passar ainda pela aposta na transição para outras áreas, como o cloud computing e a Inteligência Artificial, de modo a poder oferecer novos serviços e modelos de negócio. O software deverá estar no topo da lista de prioridades, com o intuito de ter um maior controle sobre a indústria tecnológica.
Enquanto isso, gigantes da Internet chineses como Baidu, Alibaba e Tencent, estão a desenvolver plataformas de Inteligência Artificial e carros autónomos distintos daqueles que estão a ser criados nos EUA por empresas como Google ou Amazon.
Os riscos do 5G
Uma das grandes batalhas entre China e EUA está a travar-se no âmbito da infraestrutura da rede 5G que está a ser desenvolvida em todo o mundo.
Além de ter sido banida do universo 5G dos EUA, também as três maiores operadoras com serviços em Portugal anunciaram que não vão usar tecnologia da Huawei na quinta geração das redes móveis.
O mesmo já se passou no Reino Unido e em França, após a recomendação da Comissão Europeia para que os Estados-membro evitassem usar infraestruturas que impliquem riscos.
Mas a Huawei conseguiu instalar-se em países como Brasil e Índia, dois grandes mercados emergentes.
Assim, vão crescendo os receios de que a China, através da Huawei, possa controlar grande parte da infraestrutura mundial. Ora, nesse caso, num cenário de conflito, a rede 5G poderia ser desligada, o que seria terrível para os países afetados.
Em conclusão...
Esta Guerra Fria Tecnológica pode, assim, acabar com o mundo dividido entre dois sistemas tecnológicos incompatíveis. Essa divisão do globo provocará dificuldades globais em quase todas as áreas económicas, nomeadamente no âmbito da expansão internacional dos setores da saúde, das telecomunicações, dos transportes e até da esfera militar.
Entre espionagem económica e ciberataques, acusações e suspeitas, que fazem lembrar os filmes de Hollywood, estamos à beira de um mundo novo (e é incerto que venha a ser maravilhoso) ...
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